05 setembro 2011

Frutos dos quintais de Acrelândia


Por: Neide Rigo

Não são diversas, mas são muitas. Frutas doces pra chupar no pé, azedas para suco, densas para doces, massudas pra assar, leitosas para temperar. Não estão nos mercados, que preferem as caixas de maçãs argentinas, uvas chilenas, peras portuguesas e mamões papaias padronizados, que chegam, depois de uma longa viagem, do Ceagesp ou sabe-se lá de onde.

Acostumadas ao clima mais ameno, depois da longa viagem sofrendo os balanços e o calor, estas frutas são acomodadas em câmaras geladas para protege-las do mormaço acreano. Coitada da banana comprida ou banana-da-terra,  única fruta local encontrada nos mesmos mercados, que mesmo acostumada àquele calorão, não tem escolha. Já  pra câmara fria já, sua bananona!  Junto a peras e maçãs, ali fica resignada, enfeiando-se dia-a-dia no frio que não escolheu.

Enquanto isto, do lado de fora, entre quintais ensolarados com flores nas cercas, corre à  boca míúda que chegou banana boa na quitanda do Seu João. Está lá no quentinho fazendo doçura, uma palma um real. É banana cozida, frita, recheando a tapioca, na carne, no pão, no lugar do pão, junto com arroz e feijão. E tem também abacaxi gigante. De Tarauacá?  Não, não tem quinze quilos, não. Mas a quatro chega. Amarelinho, amarelinho, tão doce e perfumado.

Sabia  que a mangueira da menina banguelinha é a mais precoce e as mangas já estão inchadas?  Mas como estão floridas as outras!  E que o seu Anésio disse que pode ir buscar tamarindo, que o pé está carregado?  Mas é azedo. Ué, faz suco. E as carambolas da dona Edna  que estão se  perdendo e o pé está até arqueado com o  peso das frutas graúdas e amarelas? É que ela e as meninas só gostam de refresco comprado. Boba, não sabe o que está perdendo. Os moleques da dona Teresa chupam fazendo careta, mas chupam. Vou lá com uma bacia de limão, que não tô dando conta. Quem sabe ela troca. Ah, e quando começar a época do cupuaçu e da graviola, hem? Desses, todo mundo gosta.  Na Dona Diná tem acerola, vamos buscar pra fazer suco? Ah, a dona Maria Concebida está vendendo suco de araçá-boi, você viu? Muito bom, vem lá da colônia.  E aquele mamão caipira amarelo do ramal do café?  Ah, é um terroir a cada terreiro. O do seu Dejalma está uma delícia este ano, vou lá pedir uns antes que os sanhaços furem todos.  E aquele pé de jaca sem dono?  A safra deste ano vai ser boa. Jaca verde pra moqueca, jaca madura escancarada no chão, caroço cozido.  E tem a fruta pão de caroço também, né? Tem?  Onde? Perto da quadra.  Quem  plantou? Não sei, parece que foi de caroço cuspido. Caroço cozido com sal, melhor que castanha portuguesa. E sabia que o jambo da dona Vera Lúcia já tá dando? Tem muito, muito.  Os outros ainda nem floriram. Mas quando aqueles jambeiros resolverem jambar todos juntos, um a cada duas casas, meu deus, pra quê peras, hem? O que tão plantando por aí é o tal de noni, não? Ah, é, viu que serve pra tudo, até câncer cura?  Passou no globo repórter, panaceia. Sei não, é ruim pra burro. Quem sabe não fica bom na geleia?  E a menininha Ingrid aponta para o coqueiro. Veja lá, veja  lá, Neide, tem coco, e eu tenho medo do malamem. Malamem? É,  a gente tem que se livrar dele, né mãe?  E livrai-nos do mal amem!

Sei lá, frutas de quintal são deste jeito, não aparecem nos questionários ou nas estatísticas, não são torturadas nas câmaras frias dos supermercados e mesmo assim, sai safra entra safra, lá estão elas,  às vezes desprezadas, às vezes devoradas, conseguidas na base do escambo, da provisão de fundo de quintal, das catanças não autorizadas e das molecagens.  Em Acrelândia, um pouco é assim,  outro pouco é inventado, como eu queria que fosse. Malamém.

Piquenique em Acrelândia


Por: Neide Rigo

A ideia era de um piquenique misto, com crianças, adultos e quiçá homens. Mas em Acrelândia fazer piquenique é algo novo, todo mundo diz que vai e na hora h fica com medo de pagar mico. Prevendo um encontro vazio, Bárbara, Lúcia, Pablo e eu resolvemos chamar diretamente as crianças, já no dia. Por que não pensamos nisso antes? As poucas que chamamos compareceram sem preconceitos, novidadeiras, com garrafinha de refresco (artificial, mas acho que sairam do piquenique com outras ideias), copos de vidro, pratos, talheres, lençol.

Durante o dia passamos por uma rua com uma caramboleira carregada. Batemos palma e pedimos algumas para a dona Edna. Eram muitas, bojudas, quinadas em verde contrastando com o alaranjado brilhante, estrelas espichadas.  Pode levar todas, eu não gosto mesmo. E as meninas, perguntei. Elas também não gostam, preferem suco de saquinho (o pozinho com corantes e aromatizantes), respondeu. Pegamos uma sacolada. No caminho, uns meninos brincavam. Ofereci carambolas e eles não recusaram, quiseram mais. Aproveitei para convidá-los para o piquenique logo mais. Corram lá, tomem um banho (estavam encardidinhos), levem copos, chamem suas mães. Mas tem que pagar, né,  perguntou um.  Depois de explicar tudo como seria, sairam correndo pra pedir para as mães.

Depois, durante a pesquisa numa sorveteria, encontrei Elaine e suas duas irmãzinhas gêmeas, Bia e Clara.  Começamos a conversar e fiz o convite, só por fazer - não sei porque achei que não fosse.  E reforcei: nada de descartáveis, levem seus próprios copos, pratos e talheres. Se não tiver toalha de mesa, leve lençol mesmo. Tá bom, disse ela.

Chegou a hora, pegamos nossas cestas e fomos para o lugar escolhido, um gramado embaixo de uma mangueira. Não tinha muita comida, pois ainda tínhamos esperança que adultos aparecessem com suas próprias matulas. Qual nada! Só a Dirce e logo mais Dona Teresa. Antes disso, um grupo de jovens da quadrilha local (quadrilha de dança, que fique claro) se aproximou e um deles perguntou: você não são daqui não, né?  Embora todo mundo da cidade seja de fora, nós eramos muito mais forasteiros, pois os de fora dali não eram farofeiros afinal.  Acharam a ideia divertida. Ficaram em volta e nós, na maior saia justa,  pois se partíssimos o pão não teríamos para quem chegasse.

Dali a pouco vimos dona Teresa chegando desconfiada com um monte de menininhos, seus netos, atrás. Todos banho-tomados, com roupa boa.  E ainda uma filha adolescente com um bebê.  Tínhamos feito suco de carambola e quis oferecer, mas não tínhamos copo. Foi então que ela apresentou a sacola aliviada. -  Eu falei pros meninos, se for mentira esta coisa de levar copo e desse piquenique, vocês vão ver. Ah, de vocês se eu passar mico. O suco fez sucesso.

Logo Elaine chegou de bicicleta com uma das irmãzinhas e mais duas amigas. Trouxe pratos e um lençol (descobri há algum tempo que nem todo mundo tem toalha de mesa e a falta dela não é motivo para não se fazer piquenique), além de uma garrafa de suco de limão artificial que ela mesma tinha preparado.

Este era nosso piquenique, carambolas, suco de carambola, pão de banana da terra, manteiga, duas maçãs e quatro bananas da Dirce e a alegria de todos que estavam ali. As maçãs pareciam iguarias. Logo alguém pegou uma e eu propus dividir as duas entre todos mundo. Proposta aceita e via-se pelas carinhas que não era uma fruta do dia-a-dia, era uma fruta para dias de festa. Já as carambolas, meio azedas, eram boas para suco. Mesmo assim, Elaine, espontaneamente, passou a cortá-las em rodelas e a servir. Primeiro para os adultos ela anunciou. E ajeitou as estrelas com capricho sobre um guardanapo, tudo por conta própria. Depois convidou os meninos, que ela não conhecia, a aprender a fatias estrelas.  Em algum momento, quando falei que foi bom eles terem levado seus próprios utensílios, ela reforçou: afinal, não queremos ser poluidoras do planeta, né? Uma menina linda. Assim como as amigas que a acompanhavam.

Lúcia e Bárbara propuseram brincadeiras e aquele meninos acanhados de repente gargalhavam de soluçar. Umas graças. Ficaram tão felizes que só foram embora porque já estava escurecendo e as mães ficariam preocupadas. Mas quiseram porque quiseram marcar outro piquenique no domingo.  No mesmo horário, estávamos  lá novamente,  mas desta vez furaram. Depois nos encontramos novamente e disseram que as mães não deixaram.

Algumas coisas são certas: muitos adultos acham que piquenique é coisa infantil, mas ficam felizes como criança quando participam de um;  criança, indistintamente,  adora piqueniques e desconfio que é uma forma de incentivá-los a comer frutas e outras comidas que não comem em casa.

Vendo as fotos, você já sabe quem é quem. Clique para ver maior.