07 outubro 2011

O espaço social alimentar: A situação gerou a prática e resultou na troca de conhecimentos


Por: Lúcia Guerra 

Como prever que a oficina com os agentes de saúde de Acrelândia geraria tal imprevisto? O de ter que encerrar ainda no período matutino todo preparo para uma oficina prevista para durar o dia todo.  Na parte da manhã, teríamos uma palestra sobre hortas esquecidas que tinha como propósito sensibilizar e resgatar hábitos e práticas alimentares esquecidos ao longo do tempo. À tarde, uma palestra sobre diabetes e hipertensão com intuito de sondar conhecimentos prévios dos participantes sobre o assunto e de alguma forma sensibilizá-los da importância de ter uma alimentação saudável utilizando alimentos, temperos, ervas que temos no fundo do quintal - nada de temperos prontos daquelas marcas famosas que nós já conhecemos.

Na sexta-feira (22/07/11), tivemos a despedida da Neide e da Bárbara, que retornaram para São Paulo. Saudades! Mas, as atividades continuavam e eu  fiquei com a responsabilidade de conduzir a oficina com os agentes de saúde, junto com as nutricionistas Deise (do NASF) e Tassiana (da educação/merenda escolar). Nos reunimos neste mesmo dia e foi quando assumi a responsabilidade de preparar o café da manhã para os agentes, tendo como modelo os ensinamentos da Neide (uma culinarista ou um anjo, não sei ao certo, que gentilmente partilhou com tanta singeleza os seus vastos conhecimentos comigo e que acabou despertando o belo que estava adormecido em mim). No dia a dia, no observar, no ajudar, no colher, no conhecer e reconhecer, no fotografar, no alinhar para fotografar e no preparar os alimentos ali encontrados, muitas coisas ficaram registradas. A tal ponto de gerar o pão caseiro, o suco de carambola, o cuscuz, o sushi de tapioca que fizeram parte do café da manhã servidos aos agentes. 


Desde o sábado, 23 de julho, o contato com a coordenadora da Atenção Básica do Município,   Ingrid,  já havia sido feito, estava tudo certo e os ingredientes, ok. No entardecer quieto do domingo, fomos, Pablo, Miluska e eu,  colher carambolas. Foram tantas, que tivemos que passar em casa antes de continuarmos as coletas. Na busca por tamarindos, jambos e folhas de bananeiras, Marcia Castro se juntou a nós. Tudo certo - fermento caseiro vivo e aerado, carambolas, jambos e folhas de bananeiras bem lavados. Deixei os pães crescendo e logo, bem cedinho,  iria assá-los e também preparar a tapioca, o suco das carambolas para levar tudo bem fresquinho para a oficina. Logo que despertei,  às cinco da amanhã, iniciei as atividades culinárias de preparo. Logo, a Marly e a Liz, e depois a ajudante Maria, chegaram para ajudar e então finalizamos. 


Tudo pronto: o Pablo leva o datashow para apresentação dos resultados da pesquisa realizada em 2009, a palestra das hortas esquecidas, as cestas de frutas, os sucos nas garrafas térmicas, o cafezinho e os outros alimentos preparados.


Servimos o café da manhã para os agentes de saúde e observamos os comentários: “mas o que é isso, suco de carambola?”, "nossa, tapioca com banana? hum que delícia! O que mais que tem? Erva doce? e esse gostinho de coco?”, receita especial da Neide. “E esse pão? que legal, na folha de bananeira...ficou bonito!” “pão com manteiga? e café com leite!” “e isso...é cuscuz? foi você quem fez? você quem preparou tudo isso? Ficou muito gostoso! Pode comer mais?...” Pode, pode sim, preparamos para vocês! “Que tanto de açúcar coloca no café?”, “Achei o suco meio sem doce! Pode colocar mais açúcar?", "Melhor não, né, elas já fizeram com a quantidade necessária!”. Etc. Essas foram algumas das curiosas e apreensões extraídas no murmurar do café da manhã (Ah! Como não ter a Neide tão presente naquele ritual?). Uma satisfação, um desafio iniciado, o resultado do convívio expresso de maneira muito forte.


Após o café da amanhã, a imprevisível notícia: "Teremos que terminar a oficina neste período da manhã, pois a pessoa responsável por fazer os almoço dos agentes não pode vir!” Pensei: E agora, José? A festa acabou... E rapidamente me veio: vamos todos juntos preparar o almoço! Temos todos os ingredientes? O que falta?, o cardápio: arroz, estrogonofe, batata palha e salada. Não tinha a carne. Pablo corre ao açougue e compra a carne que falta (o anjo da bicicleta)! Bom, agora você conversa com os agentes, acho que eles não vão querer, será? cozinhar? Ah! eles preferem ir embora!


Expliquei a situação para todos, lancei a pergunta e, para minha surpresa, homens e mulheres (agentes de saúde) levantaram os seus braços em sim e se dispuseram a preparar o nosso almoço!  Que experiência! Então, dei início à palestra preparada pela Neide Rigo: Hortas esquecidas. Nesse momento, minhas experiências pessoais fervilhavam e, como um filme, elas passavam uma a uma em minha mente! Até que me lembrei da recordação que a Neide deixou embaixo do meu travesseiro quando ela retornou a São Paulo – um saquinho plástico que era para eu relembrar as nossas andanças por Acrelândia. Nossa! Foi o meu porto seguro, este símbolo, vai entender! 


Cada agente se apresentou dizendo o nome, a região de atuação do PSF e o que eles tinham construído a respeito do que é ser um agente de saúde: “um elo, uma ponte entre o conhecimento sobre saúde e a população”, “é ser alguém em que as pessoas confiam, pois entramos nas casas das pessoas para dizer algo importante”, “ter a responsabilidade com a função que nos foi confiada”.


Depois da palestra fomos todos para a cozinha, como mostra o vídeo: uns picando carne, outros lavando as hortaliças e no final tudo saiu uma delícia! Apareceram até umas crianças que comeram as frutas que estavam nas cestas. Algo também inusitado foi a presença do repórter Aluísio que acompanhou as preparações culinárias deste dia.


Almoço pronto, mesa preparada e todos saborearam a delícia da atitude, da partilha, da coragem, da iniciativa e da união: a vivência e a prática se uniram para gerar conhecimento. Após o delicioso almoço, aí sim, o programado: a palestra da tarde sobre hipertensão e diabetes iniciou com uma salva de palmas para todos que preparam a comida. O sono e a preguiça foram embora e encerramos a palestra às 16 horas!

Disso tudo, uma grande lição: o espaço social alimentar é algo real! Onde o ambiente cultural alimentar se coloca, mesmo em meio ao ambiente avassalador dos alimentos ultra-processados, do marketing que estimula o consumo e impõe práticas alimentares pouco saudáveis. Retomar às práticas de consumo dos alimentos tradicionalmente básicos não é uma tarefa fácil, mas, instigante! Retornar ao passado e resgatar as práticas vivenciadas na infância, na adolescência,  seja naquele local ou nas diversas regiões do Brasil de onde cada uma daquelas pessoas vieram, é constatar que hábitos alimentares mais saudáveis já foram vivenciados e é preciso retomá-los já, agora! O simples, o que “eu” produzo em casa, o que tenho no fundo do quintal tem um valor do qual eu mesma talvez tivesse me esquecido!

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